plural

PLURAL: os textos de Juliana Petermann e Eni Celidonio

Precisamos falar sobre medo
Juliana Petermann 
Professora universitária

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O que você faria se não tivesse medo? Com essa pergunta, a palestrante Daniela Arrais desacomodou uma plateia em que eu estava. As respostas vieram em forma de lista: viajaria o mundo, sairia para tomar uma cerveja sozinha, caminharia pelas ruas da cidade à noite. Repare que a plateia, constituída apenas por mulheres, elencou medos que têm em comum uma questão de gênero. Não são medos que todas as pessoas teriam. São os medos que temos por sermos mulheres e por vivermos em uma sociedade que não garante efetivamente o nosso bem-estar, nem físico, nem emocional. A lista de medos poderia ser resumida em uma única palavra: insegurança.

PRECISAMOS FALAR SOBRE O MEDO DE FALAR

Depois da pergunta, meus medos se apresentaram como se estivessem em um palco. As cortinas abriram e já vi tudo: os personagens principais do meu espetáculo também são marcados pela questão de gênero. Lá da coxia vem saindo, tímido, o medo de falar em público. Sim, eu sei, sou professora. Falar publicamente é o que eu faço todos os dias. Mas é qualquer falazinha com um público um pouquinho maior, fora do aconchego da sala de aula, que a perna treme, a voz embarga, as palavras somem. Não é sempre. Mas é ruim quando acontece. Lembrei de todas as vezes que pensei em falar e desisti. Essas coisas de disputar a palavra, sabe? Não sei se é coragem ou vontade que me falta. Já vou logo pensando que "deixa para lá", "é bobagem". Na sequência do espetáculo, outro medo protagonista: falar em inglês. Mas porque diabos essa coisa de falar me pega tanto? E vê, quando comecei este artigo, pensei: mas falar assim tão publicamente sobre os meus medos? E, sim, precisamos falar e precisamos falar, inclusive, sobre os nossos medos.

PRECISAMOS FALAR, MESMO QUE COM MEDO

Em algum momento das nossas vidas, aprendemos que a nossa voz não é potente, que nossa opinião não importa ou, pior, que estamos incomodando. Que nossa voz é aguda demais, frágil demais. Não há estímulo, pelo contrário: somos desencorajadas. Tem uma frase da publicitária Thais Fabris que eu gosto muito e que desperta em mim a coragem de falar. Ela diz: "Mulher, se um microfone estiver vindo em sua direção, se te chamarem em um palco, se te pedirem para apresentar algo, você não, nunca, em hipótese alguma diz: 'não vou, sou tímida, tenho vergonha' e muito menos você deixa um homem ir no seu lugar. Erga sua voz no espaço público. Por você. Por mim. Por todas aquelas que não tiveram essa chance. Por favor. Por amor". E você? O que você falaria se não tivesse medo?

Tenha piedade, senhor
Eni Celidonio
Professora universitária

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Eu já escrevi aqui, umas trezentas vezes, sobre o calvário que é estar ocupada, o telefone tocar, a gente correr para atender e um robô falar:"Boa tarde! Aqui é da operadora XXX. Você já possui o XXX com 187968946796 giga? Blablablá"... Ou então não é robô, mas uma atendente que pergunta : "olá, aqui é a Fulana, da XXX, tudo bem"? Dá vontade de responder: "Estava bem, antes de você ligar"... Olha, a gente tem que contar até 10, 20, 30, 6435498, pra não descambar pra grosseria.

Eu não sei se já contei, mas tenho uma colega que resolveu isso da maneira mais simples: ela atende, a pessoa se identifica, ela vê que não interessa e começa a se divertir:

- Ahhhh, criatura! Que bom que você ligou!

- ??????????

- Você é casada? Tem filhos?

- Senhora, eu estou entrando em contato para...

- Não! É rápido. Você acredita que depois de quinze anos e três filhos lindos o meu marido foi embora, por causa de uma sirigaita qualquer?

- Senhora, sinto muito, mas meu contato é para estar oferecendo...

- MENINA! Você não está entendendo - e logo começa a chorar e falar aos prantos - eu estou desesperada! Não sei mais o que fazer... Eu parei de estudar quando conheci ele, nunca trabalhei, a minha vida virou ser esposa e mãe e pra quê? Me fala: PRA QUÊ? Você acha isso justo? Você não fica condoída com a minha situação? Imagina que eu já aguentei desaforo de sogra, de cunhada, já engoli sapo de tudo que é jeito e pra quê? Teve uma vez que, numa festa de aniversário...

E feliz da vida, ela vê que o telefone foi desligado. Pronto, mais uma abatida na lista! Essa vai pensar duas vezes antes de ligar de novo. Mas agora tem um lance novo, que eu não conhecia ainda. Uma amiga recebeu uma chamada de uma operadora, estava super ocupada fazendo contas, correu para atender e a criatura começou a recitar aquela catilinária que a gente já conhece. Pois bem, com raiva de ver interrompido seu trabalho por causa de um telefonema inútil, minha amiga não teve dúvida: vestiu a saia de gilete e começou a rodar pra todo lado: "vai arrumar serviço, vai ligar pra quem não tem o que fazer na vida, que pode ficar nesse telefone jogando conversa fora, enfia esse plano..."

Pois senhores, a ligação terminou, tudo voltou ao normal e cada uma voltou ao seu trabalho, plenas, felizes, tranquilas... À noite, sem mais nem menos, minha amiga recebe uma mensagem de um telefone que ela não conhecia, mas que não era o da operadora, mas de um telefone particular, que dizia mais ou menos o seguinte: "Sinto muito se você não tem educação, eu tenho. Esse é meu trabalho e você foi extremamente grosseira comigo. Estou cumprindo o meu papel, é pra isso que eu sou paga. Espero que você nunca ouça tanto desaforo na vida como eu ouvi hoje, vindo de você. Atenciosamente XXX".

São as eternas contradições humanas...

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